Disputa Judicial envolvendo o Centro Educacional Santamariense está longe do fim

 Disputa Judicial envolvendo o Centro Educacional Santamariense está longe do fim

Transferidos para as salas de ensino infantil do colégio, os alunos precisam ir para o pátio em dia de prova por que a sala não cabem todos.

Santa Maria da Vitória (BA) – O entrave judicial pela disputa de um dos mais conceituados colégios da cidade está longe de chegar a uma decisão definitiva. Uma liminar, do juiz substituto da Comarca de Santa Maria da Vitória (BA), Pedro Paulo Falcão Junior, destituiu a administração do Centro Educacional Santamariense e passou, temporariamente, a gestão do colégio para a Mitra Diocesana de Bom Jesus da Lapa. Na decisão, o colégio foi divido em dois, uma parte ficou com a Diocese e a outra com a Associação Educacional de Santa Maria da Vitória, entidade que vinha no comando da gestão da instituição de ensino desde a construção da escola, em 1957. O caso ainda será julgado em definitivo pelo magistrado.

Segundo o presidente da associação, Noel Antônio dos Santos, a situação atual além de injusta tem prejudicado bastante o funcionamento do colégio. “Nossos alunos do ensino médio estão nas salas que eram do ensino infantil, tivemos que juntar turmas para não interromper as aulas. As salas foram feitas para 20 estudantes, mas fomos obrigados a acomodar 40. Tivemos que colocar dois alunos para dividir uma única mesa, e quando tem prova a situação complica mais ainda, o jeito foi colocar os estudantes no pátio”, desabafou.

De acordo com Noel Antônio, o colégio tem recebido o apoio  e compreensão dos estudantes e dos familiares. A Associação de Pais e Alunos pretende, inclusive, fazer um movimento na cidade para denunciar a injustiça que o Centro Educacional Santamariense foi submetido.

Após o cumprimento da decisão, a associação resolveu construir duas novas salas na área. As construções já estavam ao ponto de cobrir quando veio outra liminar suspendendo a obra. No pedido de paralisação, o juiz Oclei Alves da Silva acolheu a solicitação da Mitra Diocesana. A entidade alegou que toda área estava em disputa judicial e não poderia ser alterada de forma alguma, sob pena de interferir no desfecho do processo principal que trata da posse do imóvel.

Outra liminar suspendeu a construção das novas salas.
A obra de construção das duas salas está embargada pela Justiça.

A associação entrou com recurso no Tribunal de Justiça da Bahia (TJ/BA) para derrubar a liminar do Juiz Substituto, Pedro Paulo Falcão Junior – que é magistrado em Serra Dourada. Ele atuou no caso porque Santa Maria da Vitória está sem juiz titular da área cível . No entanto, o recurso ajuizado aguarda, desde o dia 26 de fevereiro, o julgamento do relator, desembargador Augusto de Lima Bispo.

A reportagem enviou e-mail e entrou em contato por telefone com a Mitra Diocesana para falar sobre o assunto, mas a tentativa foi em vão, e não foi obtida nenhuma resposta.

O início do conflito

O caso foi parar na Justiça após a diretoria do Centro Educacional decidir não renovar o contrato que mantinha com a Secretaria de Educação do Estado da Bahia para o funcionamento de turmas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental da rede pública estadual. Mais de 600 estudantes do município estudam no local por meio do convênio. A decisão de não renovar o contrato foi motivada porque o Colégio Santamariense pretende expandir a atuação em 2015 e, para isso, necessita de todas as salas. Entre os projetos estão a ampliação do curso pré-vestibular e a oferta de mais vagas para ensino infantil, fundamental e médio.

Sem consultar a associação educacional, a Mitra Diocesana entrou em contato com o Governo do estado e se apresentou com proprietária do Centro Educacional Santamariense (CES) e, em setembro de 2014, assinou um contrato de aluguel com o Estado no valor de R$ 60 mil por ano, 5 mil por mês pela locação de 14 salas, biblioteca, auditório, cantina, quadra esportiva salas de professores, de informática e da diretória. O contrato foi assinado pelo chefe de gabinete da Secretaria Estadual de Educação, Paulo Pontes da Silva, e realizado sem licitação.

Após tomar conhecimento do fato, os dirigentes da associação contrataram um advogado e foram orientados a abrir boletim de ocorrência e trocar todas as chaves e cadeados do estabelecimento. Os professores, funcionários e colaboradores da rede pública estadual, deram de cara com os portões fechados. Indignados eles levaram o caso ao prefeito do município que buscou apoio da Mitra Diocesana para resolver o problema. Em nota divulgada, no dia 9 de fevereiro, a direção do Centro Estadual de Educação Santa Mariense  – nome da unidade escolar da rede pública que funciona nas dependências do CES –  denunciou que a associação não tinha autoridade para impedir a entrada dos professores, pois a entidade havia sido destituída pela Instituição Católica do comando do colégio.

Professores e funcionários do ensino fundamental público foram impedidos de entrar no Centro Educacional.
Professores e funcionários do ensino fundamental da rede estadual no dia que foram impedidos de entrar no  Centro Educacional.

O problema é antigo

De acordo com Noel Antônio, vários ofícios foram enviados para Salvador informando sobre a intenção de encerrar o contrato. No entanto, sem nenhuma resposta do órgão estadual, ele procurou a Prefeitura Municipal para tratar do assunto. Na primeira conversa o prefeito, padre Amário Santana, informou que iria consultar a então, Secretaria de Educação do Município, Edlar Benjamin, sobre a possibilidade de transferir os alunos para o município. Há informações de que, na época, Edlar teria demonstrado que o município reunia condições suficientes para garantir a matrícula dos estudantes na rede municipal.

Sem resposta, os representantes da associação procuraram a prefeitura novamente. O prefeito, então, respondeu que por conta a cessão da Escola Municipal José Teixeira de Oliveira para a Universidade Federal do Oeste Baiano (UFOB) e outras dificuldades, não teria possibilidade alguma de receber os alunos. Os integrantes da associação, ouviram de Padre Amário que a prefeitura iria adotar as providências cabíveis para impedir a transferência dos estudantes para rede municipal e garantir a permanência das turmas no Colégio Santamariense.

Consultada pelo Matutar, a Secretaria Estadual de Educação informou que tem conhecimento da disputa judicial e aguarda o desfecho para adotar alguma posição. O órgão estadual explicou que conta com professores efetivos e temporários contratados pelo Estado e professores cedidos pela Prefeitura Municipal por meio de convênio de cooperação técnica para garantir o funcionamento do Ensino Fundamental no Santamariense. Outra informação foi que até o momento não existe nenhum pedido de municipalização do ensino por parte da Prefeitura junto ao órgão.

Tanto o atual secretário municipal de Educação, Luiz Ricardo Braga, quanto o prefeito foram procurados para comentar o assunto, mas até o fechamento da reportagem não obtivemos respostas às perguntas enviadas.

A batalha na Justiça

Quatro ações, uma seguida da outra, foram ajuizadas na Comarca de Santa Maria da Vitória para resolver o conflito. Na primeira, a diocese afirma que é a proprietária do colégio e exige o pagamento de aluguel no valor de R$ 5 mil reais da administração do Centro Educacional. Na segunda, o Santamariense entra com processo contra o diocese afirmando que é a real detentora do imóvel e pede a proibição de qualquer interferência da entidade religiosa na escola. Na sequência, o Colégio aciona o governo do Estado da Bahia para anular o contrato de aluguel assinado com a mitra sem autorização da associação em setembro de 2014 no valor de R$ 60 mil reais por ano. Por último a Mitra ajuíza nova ação pedindo a paralisação da construção da duas novas salas que estavam sendo construída pela associação. Somente as ações ajuizadas pela Mitra tiveram julgamento, as demais aguardam pelo posicionamento do juiz.

Parte do Colégio Santamariense ocupada pelas turmas do ensino fundamental público.
Parte do Colégio Santamariense ocupada pelas turmas do ensino fundamental público.

No primeiro processo aberto, o Administrador Apostólico, Dom Josafá Menezes, afirmou que a entidade religiosa era a verdadeira proprietária do imóvel. Como provas, destacou que tem o documento do terreno e apresentou uma declaração assinada pelo ex-presidente da Associação Educacional de Santa Maria da Vitória, Padre Vicente, passando a gestão da escola para a Diocese.

Segundo informações da associação, esse documento foi assinado sem qualquer tipo de consulta aos demais integrante da diretoria do colégio. Além de ressaltar que a atual gestão sequer tinha conhecimento do assunto, o que torna o transferência totalmente sem valor jurídico.

A Associação Educacional de Santa Maria da Vitoria, gestora da instituição de ensino, afirma que construiu o colégio e tem a posse da área há mais de 60 anos. A entidade alega que vê com estranheza o interesse da Mitra Diocesana de Bom Jesus da Lapa pelo colégio, já que a instituição religiosa, criada em 1980, nunca teve nenhuma participação efetiva na condução das atividades do Santamariense.

Em nota, os dirigentes da associação informaram que o Centro Educacional Santamariense é patrimônio educacional e cultural do povo de Santa Maria da Vitória. “São 58 anos prestando, como pioneiro, um serviço de educação de qualidade. Além de formar a base de conhecimento para várias gerações de alunos que ingressaram nas diversas universidades do país. O Centro Educacional Santamariense é uma marca respeita e amada pelo povo Santa-Mariense e precisa ser preservada”, afirmou.

O que pode ocorrer?

Se de um lado a Diocese alega que tem o documento de doação do terreno, a associação tem todas as notas fiscais dos materiais utilizados para construção e todo registro histórico de gestão. Não é possível apontar, ainda, um desfecho para essa história, mas de fato há alguns caminhos que podem impedir mais desgastes e prejuizos. A batalha judicial pode prejudicar tanto os alunos da rede particular quanto os estudantes da rede publica. Caso a decisão seja para confirmar a posse do Centro Educacional Santamariense em favor da Mitra Diocesana de Bom Jesus da Lapa, para onde serão transferidos os alunos do Colégio Santamariense? o CES vai fechar? A justiça vai manter a situação como está, cada um no seu canto?

Da mesma forma, se a Justiça derrubar a liminar concedida à instituição católica e acabar com o problema, se convencendo que a associação é a legítima detentora do colégio, será que o município de Santa Maria tem condições de garantir a matricula dos estudantes do ensino fundamental, hoje atendidos, pelo Estado da Bahia? Existe outro espaço na cidade para alugar e instalar a unidade de ensino?

O fato é que tanto uma parte quanto a outra terá de conviver com o problema durante este ano. Os estudantes não podem ser prejudicados com essa confusão, uma solução precisa ser tomada. Quem sabe, uma conciliação pode resolver a questão. Mas, pelo andar da carruagem, se não for feito um acordo entre as partes, tudo indica que o caso chegará até o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Brasília (DF), pois quem perder vai recorrer da decisão certamente.

Resumo histórico do CES

Segundo informações repassadas pela própria associação, a área foi doada, em 1894, pela comunidade a Santa Virgens da Vitória – Padroeira da cidade – com objetivo de construir uma escola. Mas, mesmo após 60 anos da doação, nada havia sido feito no local. Impulsionados pela necessidade de uma escola no município, um grupo de professores, lideranças e comerciantes resolveram criar uma associação para tirar o projeto do papel. Foi no final dos anos 50, que as primeiras paredes do Centro Educacional Santamariense foram erguidas. E desde então, a associação passou a administrar o colégio, que ao longo do tempo ganhou novas salas, auditório, prédio de administração, refeitório, até chegar à estrutura que conhecemos hoje.

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